Vamos combinar que muitas vezes não há segredo  algum, inimigo algum, interrogação alguma, nenhuma entidade obsessora  além da nossa autosabotagem. A gente sabe que esticar a corda costuma  encolher o coração, mas a gente estica. A gente sabe que nos trechos de  inverno é necessário se agasalhar, mas a gente se expõe à friagem. A  gente sabe que não pode mudar ninguém, que só podemos promover mudanças  na nossa própria vida, mas a gente age como se esquecesse completamente  dessa percepção tão sincera. A gente lembra os lugares de dor mais aguda  onde já esteve e como foi difícil sair deles, mas, diante de  circunstâncias de cheiro familiar, a gente teima em não aceitar o óbvio,  em não se render ao fluxo, em não respeitar o próprio cansaço.
Eu  pensava em todas essas armadilhas enquanto caminhava na Lagoa, um dia  de céu de cara amarrada, um tiquinho de sol muito lá longe, tudo bem  parecido comigo naquela manhã. Eu me perguntei por que quando mais precisamos de nós mesmos, geralmente mais nos faltamos.  Que estranha escolha é essa que faz a gente alimentar os abismos quando  mais precisa valorizar as próprias asas. Como conseguimos gostar tanto  dos outros e tão pouco de nós. Eu me perguntei quando, depois de tanto  tempo na escola, eu realmente conseguirei aprender, na prática, que o  amor começa em casa. Por que, tantas vezes, quando estou mais perto de  mim, mais eu me afasto. Eu me perguntei se viver precisa, de fato, ser  tão trabalhoso assim ou se é a gente que complica, e muito. Como conseguimos ser tão vulneráveis, ao mesmo tempo que tão fortes. Somos humanos, é claro, mas ser humano é ser divino também.
Eu  não tenho muitas respostas e as que tenho são impermanentes, como os  invernos, os dias de céu de cara amarrada, os lugares de dor, os abismos  todos, o bom uso das asas, os fios desencapados, as medidas e as  desmedidas. Tudo passa, o que queremos e o que não queremos que passe, a  tristeza e o alívio coabitam no espaço desta certeza. Eu não tenho  muitas respostas. O que eu tenho é fé. A lembrança de  que as perguntas mudam. Um modo de acreditar que os tiquinhos de sol  possam sorrir o suficiente para desarmar a sisudez nublada de alguns  céus. E uma vontade bonita, toda minha, de crescer.
Ana Jácomo 
 
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