quarta-feira, 21 de março de 2012

Clichê

Faça da cena da sua vida inesquecível. E se não o for, tente denovo. Tente outra vez. Vá lá, faça. Seja o diretor. Mande e desmande em si. Mas em toda cena o filme tem de ser notório, uma arte. O amor cínico do Woody Allen e a voraz e sensual tomada do Pedro Almodóvar. Mas tem de ser a todo o instante. A dedicação pela glória individual, onipresente e silenciosa.

Faça da próxima cena da sua vida uma coisa melhor. A atuação é verdadeira, encare de frente o personagem mais difícil da vida de qualquer um. Encare o prazer irretocável de ser você mesmo, nesse clichê teatral e empoeirado. Vale tentar. Vale mesmo, acredite. E se não conseguir, tente denovo.
Tente sempre, novamente. Porque só faz bem quem faz com vontade, só faz direito quem erra primeiro. Errar não é nada ruim. A alma de quem erra é mais bonita, é mais real do que a alma de quem não erra. É mais forte a casca batida que a pela cremosa e alinhada. Vai logo, que tem uma hora que a cena acaba. Vai querer chorar no final do filme?

quarta-feira, 14 de março de 2012

Recheio

Tenho seriamente pensado em reverter as coisas dentro de mim. Viver da mesma água até o fim da vida é rotina assassina. Vou, cansada, ser uma. Vou, extasiada, ser outra. Vou, embebedada e drogada, ser mais outra. Vou me mascarar de várias faces de mim.
Não é crise de personalidade. Sou eu num todo. Contudo penso no meu filho... Não quero assustá-lo com mais de duas de mim.
Para ele terei que ser uma até que cresça e se entenda como gente recheada. Exatamente como eu. Ou não...
Antes e depois, tantas. Durante, uma.
Descomunal dor de cabeça.
O prazer de me ser é fenomenal.








"Quando me amei de verdade comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável... Pessoas, tarefas, tudo e qualquer coisa que me pusesse para baixo. De início minha razão chamou essa atitude de egoísmo. Hoje sei que se chama... Amor-próprio."
Charles Chaplin



quarta-feira, 7 de março de 2012

Ser feliz por nada

Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem. Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto? A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa. Ser feliz por nada talvez seja isso.  




Martha Medeiros, no livro “Ser feliz por nada”

terça-feira, 6 de março de 2012

E foi assim

E foi assim que eu, finalmente, voltei pra única pessoa no mundo que nunca me abandonou ou desmereceu: eu mesma. Foi desse jeito meio torto, meio bruto que eu voltei pra mim, foi depois de me doar e me doer tanto que eu percebi que não vale à pena. Não vale porque se uma pessoa te fere mais do que te cura, isso é doença e não felicidade, é câncer e não amor. Viver de anestesias, dor e mais anestesias é sobreviver e só. Me recuso.Coração vazio e sorriso cheio, que assim seja. Os arranhões já não me doem, cada decepção eu levo como vacina. Dessa vez prometo não me abandonar, me deixar de lado ou me diminuir por ninguém nesse planeta. Se não tiver jeito, posso até me emprestar, me dividir quem sabe, mas me perder nunca mais. Agora é assim, primeiro eu, quem não gostar das regras, não joga. Tô feliz, acredita ? Olha só a ironia, fui buscar o amor e já tinha, fui tentar ser feliz e já era, fui tentar me encontrar e me perdi. E, que loucura, precisei me perder pra me valorizar.